Festival Consciência marca hip hop matogrossense

texto e fotos: Ney Hugo
colaboração: Kléber Santos



Esse fim de semana, mais um grande passo foi dado na cultura urbana na capital do Mato Grosso. O Festival Consciência Hip-Hop, que ocorreu pela segunda vez em Cuiabá, estabeleceu de uma vez por todas que a periferia tem voz. E uma puta voz, que canta em coro, inclusive.

Durante dois dias de intensa programação, o Festival mostrou a quem ainda não conhecia toda a expressividade dos 4 elementos do hiphop: DJ, Break, Grafite e MC.

Trabalhando incansavelmente das manhãs às madrugadas, a equipe da CUFA Cuiabá começava as atividades logo cedo nesses dois dias. O público do movimento hiphop, em sua grande parte composta por (sobre)viventes da periferia, receberam workshops dos 4 elementos, disputaram campeonato de skate, se integraram junto à arte do grafite e puderam assistir a apresentações dos mais variados grupos da capital e do interior do estado.

O interessante é que, entre os representantes do grafite no Festival, estava um jovem grupo vindo de São Paulo. O pessoal em questão faz parte de um coletivo (ainda sem nome) que já vem trabalhando na área social ministrando oficinas e workshops. No Consciência, o trabalho do coletivo foi feito em um dos muros ali próximos à Praça Cultural do CPA II, local onde foi realizado o evento.

No ato da confecção, o grupo discutiu entre si e chegou à conclusão que a melhor pintura ali seria uma vertigem de letras interagindo com personas criadas.

Na noite e madrugada adentro, a Praça era tomada pelos grupos de rap. Foram mais de 25 apresentações de artistas representantes da periferia de Cuiabá e de cidades do interior do estado. Muitos grupos ainda bem incipientes.. porém todos muito verdadeiros e aproveitando aquela oportunidade ao máximo. Diferente do que acontece com a maioria das bandas de rock, os cantores de rap não tem acesso a tantos recursos. Existem pouquíssimos lugares pra apresentação, o poder aquisitivo dos artistas geralmente é muito baixo, muitos dos artistas não têm acesso à internet... Daí a importância do Festival Consciência enquanto disponibilizador desse espaço.

Um dos grupos, por exemplo, o Realidade Sem Trégua, do Bairro Pedregal, surgiu de uma situação precária, onde a música era a única alternativa às drogas e ao crime. O grupo já tem muitos anos de estrada.. mas diz aí, aposto que você nunca tinha ouvido falar. Os meios de comunicação também não são tão acostumados assim a passar esse tipo de informação.


o público

Há ainda casos excepcionais, como o de Rei Raper, que nasceu e viveu em Santos, mas mora em Cuiabá há mais de um ano. Formado em geografia, Rei Raper trabalha como vendedor em uma loja de móveis e eletrodomésticos. "Em MT, o campo ainda está meio restrito pelo baixo nível de profissionalização de DJs e MCs. Mas vem havendo mudanças positivas". Tendo vivido 4 anos em Rondonópolis (interior de MT) o rapper disse também que vê para futuro breve uma fusão de interior com capital que dará pra fora a visão e perspectiva do Hip Hop mato-grossense.

falando em interior, vale ressaltar também o trabalho feito pela Cufa de Barra do Garças em parceria com grupos de Break. Os B-Boys, como são chamados, realizam trabalhos de fomentação cultural, de mapeamento da cadeia produtiva e viajam pelo Brasil promovendo integração com outros grupos. Bacana nessa história é que, esses B-boys já se articulavam com o espírito do Circuito fora do eixo antes mesmo de saber da existência dele. O primeiro contato foi feito nos fóruns de cultura realizados em cidades do interior do estado, quando também ocorreram as prévias do Festival Consciência Hip Hop.

Além disso tudo, o Festival contou com duas atrações do rap nacional. No primeiro dia, quem fechou a noite de apresentações foi o rapper carioca Mv Bill, escritor do livro "Falcão - Meninos do Tráfico, que virou documentário no Fantástico, da Rede Globo de Televisão. Em sua apresentação Bill solicitou publicamente que os portões fossem abertos para que todo o público pudesse assistir aos shows. E assim foi feito.


Racionais MC's

No segundo dia, a atração nacional ficou por conta dos Racionais MC's, de São Paulo. Novamente com os portões liberados - dessa vez antes do início do show - a arena se viu lotada por uma massa que entoava em coro todas as músicas dos rappers paulistanos. Também pudera... locais onde os meios de comunicação "só aparecem pra contar os corpos" sofrem de uma carência estrutural tremenda. Em lugares onde a informação (e a cultura) não chegam, os grupos de rap passam a ser a maior fonte de expressão dos sentimentos de toda uma massa. E isso era bem visível nos olhos de cada um que entoava vorazmente cada sílaba das letras das canções dos Racionais.

E, ao contrário do que muitos poderiam pressupor, não houve sequer um ato de violência no evento, feito pela, para e na periferia. Além disso, o que se viu foi uma saudável integração, fosse entre grupos de rap, dançarinos de break, grafiteiros, jogadores de basquete de rua ou apenas alguém do público que curta isso tudo. Atitudes que atropelam e deixam sem argumentos as insinuações preconceituosas. Prestemos mais atenção nessa maneira de manifestação da cultura urbana local e nacional. É tudo arte; ou seja, é tudo expressão humana. Visualizá-las não é questão de preferência de estilo musical. Mas questão de Consciência.

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